04/07/2012 | POLÍTICA
            
            Municípios: capacidade financeira e Orçamento Participativo 
             As importantes mudanças político-eleitorais que o Brasil experimentou 
na última década não foram acompanhadas de uma ampliação expressiva da 
experiência do Orçamento Participativo. Ainda que o modelo inicialmente adotado 
em Porto Alegre tenha se espalhado para outros municípios, percebe-se uma 
dificuldade em ampliar a sua utilização pelo País afora.
O sistema político-eleitoral existente em nosso País prevê a realização de 
eleições a cada 2 anos. Assim, em tese, haveria espaços e momentos específicos 
para o debate das questões nacional e estadual, separadas da discussão relativa 
ao âmbito municipal. Sem pretender aqui avaliar os aspectos positivos e 
negativos desse modelo, o fato é que, apesar de tudo, as eleições municipais 
ainda tendem a ser “nacionalizadas” ou “estadualizadas” em sua dinâmica 
política, com todo tipo de conseqüências para a forma do debate travado. Com 
isso, acaba-se deixando muitas vezes de lado a discussão em torno da gestão 
pública local, da forma como a cidade vem sendo administrada por seu prefeito e 
do comportamento dos representantes da população no interior do legislativo 
municipal. Boa parte da polarização eleitoral tende a ocorrer em torno de quem é 
candidato alinhado ou não com o governo federal, de quem está sendo apoiado ou 
não pelo governador do Estado.
Para além do balanço da gestão que se encerra 
e das perspectivas que podem se abrir para eventual alternativa de bloco de 
poder no plano local, um aspecto essencial refere-se à capacidade de se promover 
a criação (ou apenas gerenciar) um volume de recursos compatível com as 
necessidades existentes quanto às políticas públicas no município. A absoluta 
maioria dos mais de 5.560 prefeitos, a serem empossados em janeiro de 2013, 
terão pouca ou quase nenhuma capacidade de resolver o generalizado histórico de 
graves problemas das respectivas finanças municipais. Os quatro anos de gestão 
que se abrirão à sua frente representam muito pouco tempo para colocar a gestão 
econômica em ordem, de forma a abrir espaço para novas perspectivas 
orçamentárias, voltadas a novos projetos considerados relevantes pela 
administração pública.
De forma geral, os recursos de receita das cidades já estão completamente 
comprometidos, desde o início do exercício, com a manutenção de estruturas 
existentes e com a oferta de serviços básicos a seus cidadãos. É o caso do 
pagamento de pessoal, manutenção da máquina administrativa da prefeitura, 
serviços de saúde, serviços de educação, coleta de lixo e limpeza urbana, 
despesas para assegurar o funcionamento da Câmara Municipal, entre outros. No 
entanto, é difícil conseguir que um mandato seja destinado apenas a solucionar 
esse tipo de constrangimento orçamentário, saneando a situação 
econômico-financeira e abrindo a possibilidade de uma gestão realizadora e de 
visibilidade para o futuro. Dessa forma, essa situação tende a se tornar 
crônica, repetindo-se e agravando-se a cada nova eleição.
Responsabilidade fiscal e capacidade 
econômico-financeira
A capacidade econômico-financeira dos 
municípios vê-se ainda agravada pelas restrições impostas pela Lei Complementar 
n° 101/2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É inegável a 
necessidade de estabelecer regras para um maior rigor na gestão financeira dos 
entes da federação – inclusive, penalizando os maus gestores públicos. No 
entanto, o tratamento oferecido pela LRF e por sua regulamentação posterior 
acaba operando como limitador à capacidade de investimento dos municípios, em 
razão do seu elevado endividamento e da dependência de repasses orçamentários da 
União. Como parcela expressiva das dívidas públicas municipais sofreu reajustes 
com base em indicadores financeiros perversos, sua capacidade de honrar tais 
compromissos no curto prazo não se viabiliza. Inclusive porque até mesmo as 
receitas do município tendem a se expandir a um ritmo inferior ao crescimento de 
suas dívidas, a maior parte delas contraídas junto à própria União.
A configuração fiscal prevista na Constituição de 1988 delegou ao ente 
municipal uma reduzida capacidade de arrecadação de tributos. A ele cabe o 
Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS), o 
Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (IBTI) e taxas eventuais. Como o 
potencial arrecadador de tais fontes é bastante limitado, as cidades acabam por 
depender essencialmente de transferências da União e dos Estados. A receita 
própria é bastante reduzida quando comparada aos repasses do Fundo de 
Participação dos Municípios (FPM) ou dos repasses dirigidos, como os de despesas 
vinculadas à saúde e à educação.
A manutenção do equilíbrio do pacto federativo é uma tarefa difícil e de 
extrema sensibilidade político-administrativa. Assim, deve ser objeto de 
controle a conhecida tendência de nossa sociedade em aceitar a ampliação de 
forma desordenada dos gastos públicos e não se preocupar tanto com a qualidade 
dos serviços oferecidos. No entanto, é preciso reconhecer a necessidade de um 
maior volume de recursos orçamentários para viabilizar justamente as atribuições 
que competem ao município, nessa arquitetura de repartição das responsabilidades 
federativas.
Orçamento Participativo e gestão democrática
Outro 
elemento importante no debate sobre eleições e política municipal refere-se à 
participação da população nas decisões do poder local e as alternativas de 
aprofundamento da gestão democrática das cidades. As principais diretrizes a 
respeito da vida citadina tendem a ser consolidadas quando da elaboração e 
votação do orçamento municipal, processo que se realiza de forma sistemática a 
cada ano. Daí é que, ao longo do processo de democratização em meados da década 
de 1980, tenham surgido com grande força as idéias de ampliar a capacidade de 
influência da população na definição de tais prioridades. Esse movimento se 
concretizava na proposta de “orçamento participativo”, em que a sociedade civil 
organizada atuava e operava como elemento auxiliar ao Poder Executivo e ao órgão 
legislativo, a Câmara Municipal.
No entanto, as importantes mudanças político-eleitorais que o Brasil 
experimentou ao longo da última década não foram acompanhadas de uma ampliação 
expressiva da experiência do orçamento participativo. Ainda que o modelo 
inicialmente adotado em Porto Alegre tenha se espalhado para outros municípios, 
percebe-se uma dificuldade em ampliar a sua utilização pelo País afora. Pouco 
mais de 1% das cidades brasileiras adotam algum mecanismo semelhante, como pode 
ser percebido pelas informações oferecidas pela Rede Brasileira do 
Orçamento Participativo. De um lado, contribui para tal o conservadorismo 
característico da forma de se fazer política em nossas terras, onde as elites 
sempre relutaram historicamente em aceitar a ampliação da participação popular 
direta. Mas por outro lado, também, repete-se o antigo fenômeno de acomodação 
das novas forças políticas que chegam ao poder e o abandono de parcela 
significativa das antigas bandeiras de transformação social e institucional.
Ampliar a participação popular
É importante frisar 
que existe um grande espaço aberto para iniciativas que visem ao aprofundamento 
da gestão democrática das cidades. Por um lado, medidas de estímulo à 
participação dos cidadãos em importantes espaços da vida municipal, como saúde, 
educação, cultura, esportes e outros. A proximidade do indivíduo com esse tipo 
de serviço público permite uma maior participação nas instituições responsáveis 
pelos mesmos. De outro lado, para as cidades de grande porte faz-se necessário 
também uma aproximação da administração pública em direção aos habitantes. É o 
caso da constituição de mecanismos de redução da distância junto às 
Administrações Regionais ou Subprefeituras, com a possibilidade de participação 
direta da população na eleição de seus representantes.
Na verdade, trata-se da necessidade de criação de uma alternativa ao 
movimento de privatização das cidades. Ao longo dos últimos anos, inclusive com 
o apoio ideológico da ideologia neoliberal, o espaço público passou a sofrer um 
processo crescente de influência da lógica privatista em sua gestão, com a 
transferência de áreas e atividades para o setor privado. Em função disso, 
observou-se uma forte tendência à descaracterização de manifestações genuínas e 
locais, em favor de ondas de pasteurização e banalização comandadas pela lógica 
universalizante do capital.
Portanto, é sempre bom lembrar a origem histórica da palavra cidade – 
“polis”, em grego e depois em latim. Assim, o espaço da cidadania, da “política” 
em seu sentido pleno era o espaço da própria vida urbana. Ou seja, trata-se de 
uma esfera de vivência coletiva e pública, por sua própria natureza. O momento 
eleitoral é oportuno para que sejam recolocados esses valores intrínsecos à 
questão urbana e da cidadania, que foram aos poucos sendo esquecidos e deixados 
à margem do debate político.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e 
Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela 
Universidade de Paris 10.