21/03/2013 | TRANSPARÊNCIA
Artigo: Lei de Acesso precisa de regulamentação em 92% dos municípios brasileiros
Após oito meses de aplicação, a Lei de Acesso à Informação (12.527)
não foi regulamentada em 92% dos municípios brasileiros. O Brasil possui
5.564 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Os dados fazem parte do Mapa da Transparência, produzido
pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Entre as cidades que ainda não possuem regulamentação para a
legislação estão 17 capitais. São elas: Boa Vista, Macapá, Porto Velho,
Cuiabá, Palmas, São Luís, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa,
Recife, Maceió, Aracaju, Goiânia, Curitiba, Salvador e Porto Alegre. Ou
seja, 63% das principais cidades do país ainda não possuem texto com
definições próprias para a Lei de Acesso.
Segundo a CGU, a regulamentação nos municípios é um dos principais
desafios para garantir a transparência pública por meio da Lei de Acesso
à Informação. “Os municípios são onde as políticas públicas são
executadas, onde o cidadão tem maior necessidade dos serviços públicos e
demandam mais diretamente do Estado”, explicou assessoria do órgão.
Na esfera estadual, a situação melhora, mas ainda está longe de ser a
ideal. Dentre as 27 unidades da federação, 13 já regulamentaram a
legislação, o equivalente a 46% do total. Os estados da Bahia, Ceará,
Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de
Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo possuem
textos próprios para a lei.
Para o especialista em Lei de Acesso à Informação e professor de
administração pública da Fundação Getúlio Vargas, Gregory Michener não
era razoável esperar que, em um país de tamanho continental e de
disparidades regionais, fosse ser fácil implementar a lei nas esferas
estaduais e municipais. “Esse é o maior gargalo da lei até agora”,
explica.
Segundo Michener, um dos problemas é a falta de independências da
mídia em diversas regiões do país. “A cobertura da mídia é condição
necessária para uma lei robusta. A regulamentação é de primeira
importância, mas mesmo não sendo regulamentada, toda entidade pública
deve se conformar com a lei, a qual é constitucional, e a informação
deveria ser devidamente entregue”, conclui.
Embora a CGU não possua a competência constitucional legal para
monitorar a implementação da Lei de Acesso nos estados e municípios,
assumiu o compromisso de cooperar. Para isso, criou o Programa Brasil
Transparente que tem por objetivo o apoio à implementação da Lei de
Acesso à Informação e a conjugação de esforços para o incremento da
transparência pública e adoção de medidas de governo aberto.
O Programa promove a realização de cursos e treinamentos sobre
Transparência e Acesso à Informação voltados a agentes públicos,
distribuição de material técnico e de orientação sobre a Lei de Acesso à
Informação e outros diplomas legais sobre transparência, e orientação
sobre os requisitos para o desenvolvimento de Portais de Transparência
na rede mundial de computadores – internet.
A participação no Programa Brasil Transparente é voluntária e se dará
por meio de adesão da autoridade máxima do órgão ou entidade
interessado. “A CGU tem convicção de que ações de transparência e de
governo aberto trarão benefícios à gestão municipal e estadual, à
participação social e à consolidação da democracia”, concluiu assessoria
do órgão.
Além disso, o sistema e-SIC, ferramenta desenvolvida pela CGU que
permite aos cidadãos solicitar informações aos órgãos públicos, será
disponibilizado para estados e municípios. A Controladoria explicou que
a versão para as esferas está atualmente em fase piloto em dois
parceiros públicos estaduais que aceitaram o convite da CGU para testar o
processo de cessão do código fonte do sistema. “A previsão de
finalização da fase piloto é até final de abril. Depois, o e-SIC estará
disponível para todos os estados e municípios interessados”, afirmou.
De acordo com Michener, a Lei de Acesso “pegou” no sentido do
espírito popular, midiático e de que os líderes federais estão
comprometidos. “Além disso, pegou no sentido de que muitas entidades
estão cumprindo e já é de grande utilidade em várias áreas da vida
política, social e econômica brasileira”, afirmou.
O especialista, no entanto, ressalta que ainda falta muito para ser
completamente efetiva. “Implementar tal lei em seis meses é puro sonho. O
mais importante, porém, é que a lei seja utilizada, caso contrário, não
vai ser aplicada e as entidades públicas não vão cumprir. De igual
importância é a própria fiscalização do governo central. Há necessidade
de uma força central para assegurar o cumprimento com a lei”, conclui.
STF também está atrasado
O Supremo Tribunal Federal (STF) também continua sem regulamentação para
a Lei de Acesso à Informação. O texto depende de resolução da Comissão
de Regimento Interno da Corte, composta pelos ministros Joaquim Barbosa,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que já elaborou a proposta
preliminar. Contudo, o texto ainda não foi examinado. Por enquanto,
apenas uma portaria defini de maneira geral as considerações do Tribunal
em relação à legislação.
Para Michener é uma grande ironia que eles tenham tempo para
“remediar” e não “prevenir”. “Essa instituição, que é a de menor
representatividade democrática, deveria fazer o maior esforço para ficar
aberta ao público. Não precisa de cura quando se previnem, mas eles não
estão se abrindo para o cidadão. É um absurdo, especialmente com toda a
retórica do mensalão”, explica.
No Poder Legislativo também há problemas
Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal já regulamentaram a
Lei de Acesso à Informação. Porém, a transparência de determinados
dados ainda não é total. Para acessar os salários dos funcionários das
Casas, por exemplo, é necessário fazer cadastro.
Os dados pessoais de quem solicita a informação são enviados para o
servidor cujo vencimento foi pesquisado. Dessa forma, o pesquisado
possui mais informação do que o próprio pesquisador. Além disso, já
ocorreram problemas de servidores ofendendo cidadãos que consultaram as
rendas por meio do portal (veja matéria).
O cadastro, segundo Michener, não deveria ser necessário. “A única
coisa que o cidadão deveria precisar fornecer é o e-mail, para o caso do
órgão necessitar fornecer alguma informação que esteja não esteja
disponível de forma ativa. É assim que acontece na maioria dos países
que apresentam esse tipo de legislação, como o México, por exemplo”,
concluiu. Para o professor, até mesmo o sistema e-SIC é de certa forma
intrusivo por pedir o Cadastro de Pessoa Física ou Jurídica do
pesquisador.
Outra coisa que chama a atenção do especialista é a grande polêmica
em torno dos rendimentos dos servidores públicos. “Essa questão é
especialmente curiosa no caso do Brasil, em razão dos salários dos
funcionários públicos estarem fora do padrão. Em outros países não houve
tanta discussão porque as remunerações estão de acordo com a renda do
próprio país”, explica.